UMA ESTRELA CHAMADA FÉ
Amanda ficou olhando para a tela de seu
PC sem entender o porquê alguém escrevera aquilo, com que intuito? Queria poder
entender o que faz uma pessoa ser tão amarga e cruel cometer tamanha violência
em escrever palavras tão duras e sem coerência. Será que era uma pessoa
conhecida ou meramente passara por ali e resolvera descarregar todo seu ódio e
dor em uma única pessoa que teve a infelicidade de estar em seu caminho
virtual. Pensou ser uma figura feminina pela maneira de escrever talvez
estivesse enganada. Ela e seu único amigo que fizera no curso de psicologia
ficavam analisando as pessoas em segredo, não profissionalmente e sim por pura
diversão. A muito queria deixar o curso por não se adaptar, não era o que
sonhara para sua vida, porem o que queria realmente não importava. ter um
diploma em mãos seria o maior orgulho para seus tutores. Voltou a se fixar na
tela, sempre se distraia quando lembrava no quanto estava infeliz, será que a
intenção daquela pessoa cruel era acabar ainda mais com seus dias?
Resolveu então fazer uma análise mais
aprofundada daquela mensagem e o que estava por detrás dela. Pela primeira vez
na vida sentiu um arrepio na espinha, aquelas palavras duras e amargas eram um
sinal, pensou. Olhou de novo para a tela e teve a certeza, repetiu para si
mesma, é mesmo o sinal de que eu tanto precisava.
Amanda, não era uma pessoa crente, há
muito que deixara de acreditar fosse no que fosse, depois de perder a família
num trágico acidente, os seus tios acolheram-na em sua casa e ficaram como seus
tutores, eram muito boas pessoas, acreditavam em Deus e iam à missa todos os
Domingos de manhã, claro que ela os acompanhava, mas só por cortesia porque
tudo aquilo nada lhe dizia. Um dia ao regressarem da missa a tia disse-lhe:
- Amanda, estou bastante preocupada
contigo, estás sempre apática, não participas na missa nem nada te parece
entusiasmar.
- Tem razão tia, desculpe, não a quis
ofender, nem envergonhar na missa, mas se eu não rezo é porque já não acredito
em Deus. Se deus existe, porque é que me deixou sem a minha família? Não acha
que para uma criança de seis anos, perder o pai, a mãe e o irmão naquele
estúpido acidente, é cruel demais?
- Amanda, acho que seja cruel e que
deves de ter sentido que o mundo caiu em cima de ti, de tão pesado que ficou,
mas isso não é motivo para culpares a Deus. Com o tempo verás que tudo tem um
motivo de ser, os desígnios de Deus são insondáveis. Tu tornaste-te uma bela
mulher, nós tomámos conta de ti e fizemos o melhor que pudemos, para nós és
como uma filha, mas sinto que a partir daqui tens de ser tu mesma a achar o teu
caminho.
- Desculpe tia. Respondeu Amanda
abraçando a tia aos soluços. – Eu adoro-vos, só que sinto-me perdida, só isso.
- Sabes minha filha, tu não acreditas em
Deus, nem tens por isso Fé, como queres tu ter esperança sem Fé? Se queres
encontrar o teu caminho, encontra primeiro dentro de ti própria, a tua própria
Fé, aprende a gostar de ti, mas principalmente procura dentro do teu coração
quem tu és realmente, pois só aí terás a resposta que procuras há tanto tempo.
Amanda ainda tinha bem presente esta
conversa que tivera com a tia na sua cabeça, não conseguia deixar de pensar nas
suas palavras e agora isto escrito na tela, queria mesmo dizer algo.
Levantou-se e tomou uma decisão.
- Tia vou sair, vou anular a minha
matrícula do curso de psicologia, já o devia de ter feito há muito.
- Amanda, tens a certeza? Sabes ter um
curso ajuda muito a encontrar um emprego estável.
- Lamento tia, mas eu não quero um
emprego estável, quero fazer algo em que seja eu própria a dar o melhor de mim,
a fazer aquilo que melhor souber fazer, mas que seja de alma e coração sem
pensar no ordenado ao fim do mês. Lamento desiludi-la. Fechou a porta e saiu.
Sentia-se mais leve, muito melhor ao
sair da faculdade, não sabia o que iria fazer dali para diante, uma coisa tinha
a certeza, não ia fazer mais aquilo que realmente não gostasse. O dia estava
lindo, cheio de sol, atravessou o parque calmamente e pela primeira vez, depois
de passar ali todos os dias é que reparou no chilrear das andorinhas e nos seus
voos atarefados a fazer os ninhos. Estranho, pensou, como é que eu não as vi
antes? Resolveu sentar-se numa esplanada que havia no parque e tomar um
refresco, apetecia-lhe estar sozinha. Foi então que reparou numa senhora que
gesticulava e que chamava bastante atenção. Ficou intrigada e resolveu ir
verificar o que se passava.
- Desculpe, posso ajudá-la de alguma
forma?
- Tem graça, é a primeira pessoa que se
me dirige a mim a oferecer ajuda. A menina gosta de animais?
- Sim, gosto muito, quando tinha seis
anos tive um cão o patudo, mas morreu…
- Como é que te chamas?
- Amanda. E a senhora?
- Rosária.
Amanda ficou em estado de choque por uns
momentos, recompôs-se e só foi capaz de dizer: - A minha mãe também se chamava
Rosária.
- Hum, disse Rosária, queres
acompanhar-me até à minha casa? Bem, não é propriamente uma casa, deixa
avisar-te que é mais um refúgio que eu criei para todos os meus amigos e eu
também vivo lá.
- Ok, aceito, agora deixou-me curiosa.
- Sabes Amanda eu estava lá no parque a
reclamar porque as pessoas são más, não tem coração. Sabias que todos os dias
abandonam no parque muitos animais? Este que trago agora connosco foi abandonado
há bocado, por um senhor, confrontei-o quando o vi largar o animal e virar as
costas, ele não gostou do que lhe disse e assim que se começou a juntar muita
gente e antes de tu chegares ele fugiu, deixando este pobrezinho para trás.
- Estou chocada Rosária, não fazia
idéia. Mas que horror, que maldade!
- Bem minha amiga, chegamos ao “refúgio
da bicharada” da mãe Rosária, sabes é assim que eu lhe chamo, porque eu
sinto-me mãe de todos eles. Dizendo isto abriu os portões. Amanda estava sem
palavras, parecia que se tinha aberto uma porta para um outro mundo. Cães,
gatos, pássaros, tartarugas, poquinhos-da-índia e até um burro velhinho ali
estavam.
- Rosária, meu Deus como é que consegue
tratar de todos estes animais, cuidar das suas feridas e alimentá-los. Recebe
alguma ajuda do governo?
- Rosária neste momento ria a bom rir.
Ajuda do governo, ó minha filha se eu estivesse à espera disso, já tínhamos morrido
todos. Não, não possuo ajuda do estado, dependo apenas da boa vontade alheia,
dos donativos que me dão, de pessoas de bom coração que por vezes aqui me vêem
ajudar a cuidar deles e que sempre trazem consigo um pacote de ração ou algo
mais.
- Só isso? Exclamou Amanda. Mas isso é
uma incerteza todos os dias, como é que a Rosária sabe que, quando se levanta
de manhã que vai ter comida suficiente para todos os animais? E os medicamentos?
- Certezas não tenho. Mas vou-te
confessar uma coisa, mesmo naqueles dias em que o alimento é pouco para todos,
levanto a cabeça para o céu e agradeço a Deus, pelo pouco alimento que lhes
estou a dar, agradeço a Deus porque junto com a pouca comida que estão a
receber, consigo lhes dar junto com a ração, uma porção extra, que é todo o
amor e carinho de meu coração. Aí sim, nessa altura eu tenho a certeza de que
estão bem alimentados, tanto fisicamente como espiritualmente, por isso fico
tranquila e penso que está tudo bem.
- E depois? Se acaba de dar tudo o que
tinha como é que sabe que vai arranjar mais para amanhã?
- Amanda, só existe um jeito de saber
isso. Com muita Fé!
A Fé faz milagres, sabias? Se tivermos
Fé, acreditamos. Se acreditamos, tudo pode acontecer. Se tudo pode acontecer,
então é porque aprendemos a confiar. Se confiamos é porque temos a certeza de
que na sua infinita bondade Deus pai, nunca nos abandona, por isso sigo em
frente dia após dia, sem questionar, sem me lamentar e não levo nada comigo
quando saio para a rua além da minha profunda Fé, mas trago de volta ao fim do
dia, além de mais amigos de quatro patas, claro, sacos de ração e almas bondosas como tu.
Amanda tinha agora os olhos rasos de
lágrimas, olhou em volta e viu a expressão de gratidão e de ternura com que
todos aqueles olhinhos a fitavam. Abraçou a Rosária com muita força e entre
soluços fortes disse:
- Bem haja, por cuidar deles. Bem haja
por me ter ajudado, pois estava perdida. Rosária, posso trabalhar aqui consigo
e ajudá-la a cuidar de todos estes patudos?
- Claro que sim, nada me faria mais
feliz do que ter-te aqui todos os dias.
Amanda, passou pelos portões da quinta
da Rosária em alta velocidade, mal podia esperar por chegar a casa, até sentia
o estômago às voltas de tanta emoção e alegria.
- Tia, Tio quero contar-lhes uma coisa
muito importante, sentem-se.
- O que se passa, estás a deixar-nos
preocupados.
- Não está tudo bem, não se preocupem. A
tia lembra-se daquela conversa que teve comigo à saída da missa?
- Sim.
- Pois é, hoje quando saí da faculdade
depois de anular o curso, aconteceu-me algo extraordinário. Descobri que Deus
existe, não da forma como me tinha sido ensinado, mas existe sob a forma de
pequenas atitudes, sob a forma de pessoas aqui na terra que dão tudo de si para
ajudar os outros. Deus existe mesmo nas pequenas coisas! Descobri também que a
Fé mora dentro de cada um de nós, e que nada mais é do que uma estrela
pequenina que nos aquece a alma, mesmo nos dias em que tudo parece ir mal, é aí
que ela começa a brilhar tanto, mas tanto, que nos obriga a andar para a
frente, então é nessa altura que os milagres acontecem!
Eu descobri que também tenho,
uma estrelinha chamada FÉ!!!
uma estrelinha chamada FÉ!!!
MIA
PÚRPURA (Ana Maria)